Caro fã de tokusatsu,
Essa pode ser a primeira vez que você acessa este humilde site, até porque nem tem tanta notícia relevante sobre tokusatsu para aparecer por aqui, mas dessa vez eu preciso falar contigo sobre um assunto muito importante. Tenho visto nas redes sociais que você está muito alegre em seu novo relacionamento com a Band, está postando stories com ela, fazendo juras de amor no Twitter e acreditando que vocês dois terão um futuro glorioso juntos, trazendo de volta os gloriosos tempos de Rede Manchete.
Eu preciso te contar algumas coisas, afinal a Band é minha ex.
Em meados dos anos 2000, quando vocês ainda compartilhavam episódios de Jaspion em DVDs prensados em eventos de anime, a Band conseguiu conquistar nosso coração otaku com exibições de animes no Band Kids. Além de Dragon Ball Z, a emissora providenciou uma série de animes que nunca seriam vistos em uma televisão aberta, e ainda prometeu que viria coisas como Slayers e outras. Alguns meses depois, nossa relação foi fortemente abalada com o Band Kids sendo desfigurado e a emissora privilegiando um vespertino chamado O Melhor da Tarde, comandado por Leão Lobo, Astrid Fontenele e Aparecida Liberato.
O novo programa prometia serviços, receitas e fofocas, mas acabou ficando focado basicamente nesse terceiro item, e ficou quase quatro anos no ar, mesmo dando um terço da audiência do Band Kids. Chegamos a pensar que a nossa querida Band estava sendo burra por trocar 5 pontinhos por cerca de 1 ponto de audiência do programa de fofoca, mas estávamos sendo inocentes (e um pouco ignorantes). Éramos muito novos para entender como funcionava esse conceito abstrato chamado AUDIÊNCIA TELEVISIVA.
A audiência na verdade é uma estimativa estatística, tendo como base aparelhos chamados peoplemeter instalados nas casas de pessoas das mais variadas realidades socioeconômicas. Através das televisões dessas pessoas, o Kantar Ibope consegue estimar quantas pessoas estavam assistindo ao programa. Cada ponto no Ibope em 2020 equivale a aproximadamente 260.558 domicílios na Grande São Paulo, região considerada pelo mercado publicitário. Eu lembro de várias campanhas pedindo para as pessoas ligarem todas os televisores de suas casas para ajudar a audiência dos animes na Band… como éramos inocentes.
Sucesso no Ibope pode ser apenas um dos fatores que segura um programa na grade, mas não é o principal. As reprises de Tenchi Muyo e El Hazard poderiam dar 70 pontos de audiência que ainda assim seriam substituídos pelo programa do Leão Lobo por um motivo simples: o Melhor da Tarde tinha anunciantes.
Marcas e empresas pagavam dinheiro para que o fofoqueiro profissional desse seu selo de aprovação em iogurteiras e colchões ortopédicos. Já os animes não ofereciam nada: era impossível fazer a Ryoko anunciar uma cinta modeladora ou então Goku revelar que sua marca preferida de tintura capilar era Embelleze.
Estávamos já desiludidos com nossa relação com a Band, mas aí tivemos uma recaída: ela decidiu focar na nostalgia e trazer da sepultura uma reprise de OS CAVALEIROS DO ZODÍACO (Cavs, para nós que éramos íntimos como a Kelly Key), com direito a uma “assessoria” de fãs. Novamente passamos a acreditar na Band, afinal ela estava fazendo tudo o que mais sonhávamos e o anime estava dando muita audiência, na casa dos 5 pontos.
Claro, nem tudo era perfeito… ela exibia dois episódios por dia, tirava eyecatches, cortava encerramentos, fazia alguns cortes bem generosos na história… mas nós relevávamos. Afinal, aquilo dando certo era a promessa de que mais animes viriam pela emissora! Quem sabe assim teríamos a nova casa dos animes, ou mesmo o retorno dos gloriosos primeiros meses do Band Kids?
Infelizmente isso não aconteceu. Fomos enganados por promessas vazias feitas ao nosso coraçãozinho.
A exibição dos Cavs foi de mal a pior. Achávamos que seria o começo de uma grande relação, mas tudo acabou rápido demais com a exibição de dois episódios diariamente. Acreditávamos que novas séries viriam após o término, mas só tivemos mais reprises. Tenchi Muyo chegou a re-aparecer, mas saiu do ar antes mesmo de terminarmos de cantar “Será que não vê que sou pioneira?”. Em um ponto da nossa relação, os animes eram exibidos apenas para São Paulo! Espero que isso não esteja acontecendo com você!
Nosso envolvimento com a Band é tóxico. Como em um relacionamento abusivo que se preze, ela volta de tempos em tempos oferecendo um acordo de paz e momentos de prazer (como estreia de Slayers, estreia de um bloco diário de animes…), mas no final somos sempre preteridos por outros tipos de programas que oferecem essa coisa chamada dinheiro.
O intuito dessa carta foi fazer um aviso a você, que atualmente está apaixonado pela Band. Só eu sei o que passei nas mãos desta emissora!
Produções nostálgicas podem trazer ótimos números, como já estamos vendo, mas oferecem limitações publicitárias. Há algum planejamento de novos produtos que podem ser lançados com esse sucesso de público? Há algum plano para trazer tokusatsu recente para renovar o público ou é apenas um tapa buraco que pode ser facilmente substituído por um jogo de futebol da série C com dois patrocinadores? Muito cuidado ao acreditar nas promessas de reviver tempos que já se foram.
da ex da sua atual,
Mara.
maisdeoitomil.wordpress.com 