Desabafo

Como me descobri como uma leitora em potencial de mangás digitais

Sempre gostei de ler. Tá bem, eu não era a pessoa mais adepta do mundo aos livros, lia o que me pediam na escola e algumas coisas por lazer, mas sempre fui mais próxima das revistas informativas e dos quadrinhos. Se alguém parar minha avozinha e perguntar da jovem Mara, provavelmente ela vai lembrar (com ódio no rosto) como ela brigava para que eu parasse de ler revista (de videogame ou de otakices) ou quadrinhos na hora de almoçar. Mas a vida segue, os hábitos mudam e a própria sociedade muda, e algumas vezes novas rotinas impõem mudanças na forma como consumimos certas coisas.

Mudar das revistas para o formato digital foi a coisa mais fácil do mundo, o Mais de Oito Mil por exemplo é um espaço que ocupou o vácuo editorial das revistas em papel. A leitura de sites na Internet perdeu um pouco o fator “curadoria” das revistas, que te apresentavam algo que pode vir a te interessar, mas que você desconhecia, mas ainda assim é um avanço interessante. Aqui na internet a gente consegue achar informação sobre qualquer coisa, mas dificilmente vamos atrás do que a gente nunca ouviu falar. Mas se as pessoas se adaptaram e quase que trocaram as revistas informativas pela internet, com os quadrinhos a coisa não funciona ainda dessa forma. Especialmente quadrinhos japoneses.

Ainda há uma forte preferência do público brasileiro pelos mangás físicos. Não temos acessos a números e somos obrigados a nos basear no achismo e em interpretação de declarações não treinadas por media-trainers, mas a forma como as editoras tratam o mangá digital mostram que ele é mais um “extra” do que uma nova via. Quem toma todo esse Mupy com apenas um canudinho é a JBC, a primeira das grandes editoras a apostar nos mangás digitais no final de 2017. De lá para cá, a editora tem ajustado o percurso e oferecido quase todos os lançamentos em formato digital, sempre com preço menor e às vezes até com formatos diferentes. Fruits Basket, que ganhou uma edição física capa dura que ninguém entendeu muito bem o motivo, digitalmente está sendo lançado em volumes simples a preços mais em conta. Isso sem falar nos mangás publicados simultaneamente com o Japão.

As outras editoras, quando não ignoram totalmente o mercado dos mangás digitais (alô, NewPOP!), fingem que o formato não existe. A Panini lançou dezenas de seus títulos em formato digital, mas se esqueceu de anunciá-los (sabemos tudo graças ao grande serviço de assessoria de imprensa conhecido como Biblioteca Brasileira de Mangás). Já a editora Pipoca e Nanquim lança versões digitais de seus quadrinhos com um capricho não condizente ao esmero que eles têm às edições físicas, como dá pra perceber nessa crítica excelente que o JBox fez do último lançamento deles.

Toda essa tendência das editoras brasileiras de investir pesado no mercado físico (sobretudo o de luxo) se distancia de números mais recentes no Japão. Segundo relatórios recente do Instituto de Pesquisa de Publicações Japonesas, dois anos o mercado de mangás vendidos digitalmente no Japão superou o de mangás físicos. Desde 2014 os números de mangás em papel vêm caindo, mas desde 2017 a queda se tornou maior. Em paralelo a isso, os mangás digitais foram subindo a partir de 2016 e atualmente rendem mais receita às editoras.

Os números estão ainda próximos, mas a tendência é o digital superar o físico em poucos anos. A preferência pelo mangá digital também diz muito sobre a forma como a sociedade japonesa funciona: vale lembrar que as residências japonesas são minúsculas, assim como o próprio território nacional, o que impede qualquer pessoa normal de ter centenas de tankos empilhados em lombadas (que mesmo no Japão não são tão alinhadas assim).

Saindo um pouco de dados e fatos, vamos voltar um pouco ao ponto mais pessoal do texto. Disse que sempre tive o hábito de ler muito, mas com o tempo precisei adaptar esse meu hábito. Quando fiz faculdade, estudava no outro extremo da cidade e passava cerca de 3h por dia em transporte público. Precisei adaptar meu hábito para ler sempre em ônibus e metrô, às vezes de pé mesmo, e nessa época minhas leituras foram longe (talvez a leitura de textos da faculdade não tenham ido tão longe assim, mas o foco aqui é mangá). Mesmo quando só trabalhava, os mangás faziam parte da minha rotina de ida ao trabalho. Claro, havia o limite de títulos que eu poderia carregar na mochila sem ter severos problemas na coluna, e títulos em capa dura eram complicados demais para se ler, mas continuava minhas leituras.

Nos últimos tempos, meu índice de leitura caiu muito. Tenho dificuldades pra falar “beleza, agora vou ler um mangázinho” desde que passei a trabalhar de casa, até porque não tenho um local com iluminação ou que eu consiga me concentrar na leitura (incrível como consigo me concentrar num ônibus, mas em casa não). Com isso, a pilha de mangás que gostaria muito de ler foi crescendo aqui em casa, principalmente alguns formatos bem desconfortáveis de leitura (alô, Ayako!).

O resultado disso tudo, somado aos aumentos de preços abusivos dos últimos tempos, fez com que eu fosse abandonando o hábito de comprar mangá. Era algo que já não estava mais se encaixando na minha vida. Tirando os três títulos que meu marido compra, eu mesma passei a comprar só dois shonenzinho. Pra piorar, moramos em um local pequeno (como qualquer lugar de São Paulo) e provavelmente teremos que dormir do lado de fora se mais um tanko entrar nesta residência. Minha situação então é: até quero ler mangá, mas o formato desconfortável dos mangás de luxo, o preço impeditivo dos mangás físicos e o excesso de shonen de lutinha o meu hábito de leitura que é mais “inquieto” me atrapalha a leitura. Foi aí que o mangá digital entrou em minha vida.

Como toda pessoa velha, tenho dificuldades de me adaptar a novas tecnologias. Só recentemente fui fazer uma página no Instagram para o Mais de Oito Mil e continuo sem entender para quê serve o Tik Tok, mas mangá digital era um negócio que eu não entendia, apenas noticiava por aqui porque né… mas acabei experimentando alguns títulos e serviços para ler algumas coisas. Me surpreendi com a foma na qual o mangá digital se encaixou em minhas necessidades.

Li alguns mangás digitais que comprei em promoção na Amazon (tanto coisa brasileira quanto coisa gringa), experimentei títulos da Crunchyroll Mangá (serviço apenas em inglês para assinantes) e coisas no Mangá Plus (inglês e espanhol), e me surpreendi com a quantidade de coisas que li nesse tempo. Achei que teria de passar por um período de adaptação, mas achei tão confortável ler tudo no celular que me peguei o hábito de ler um pouco antes de dormir e em outros momentos da minha rotina, horários que eu ficaria provavelmente fazendo alguma outra coisa. Descobri a leitura no celular, algo que eu nunca havia imaginado, como algo bem confortável e compatível com meu lado mais inquieto de ler. Inclusive tenho acompanhado o mangá Spy x Family e estou adorando e talvez um dia fale só dele aqui.

Claro, nem tudo é perfeito, muitos dos métodos de leitura digital oficiais são trambolhos de difícil execução. Apenas como base de comparação, procurei pelo Spy x Family em um aplicativo de leitura não-oficial e comparei com o serviço igualmente gratuito oferecido pela Shueisha em seu aplicativo oficial, e o piratão funcionava melhor. Mas é aquilo: as empresas precisam ir se adaptando e melhorando seus serviços para atrair mais gente.

Mangá digital acabou caindo como uma luva para a minha rotina, me pergunto se não pode se o caso de se encaixar também em outras pessoas, que podem ter deixado de ler mangá por alguns dos fatores que citei. Há uma preciosidade muito grande nos volumes físicos de mangás, mas não podemos ignorar o quanto é difícil para os volumes chegarem em todos os cantos do país e o quão caro fica lançar com o papel que agrada o otaku sommelier de papel. As mídias digitais (mesmo com seus contras) já conseguiram se impor no mercado de home video e nos videogames, mas parece que o público de quadrinhos é avesso a gastar dinheiro em um mangá que não está impresso na sua mão. Todo mundo tem tanto espaço em casa para colocar tanto mangá assim na estante?

Não digo que o mangá em papel deve ser abolido e que o mangá digital ocupe seu lugar, mas acho que tudo pode conviver em harmonia. O formato digital se revelou pra mim uma forma muito mais interessante de acompanhar meus mangás para a minha pessoa, se encaixando no meu ritmo de leitura e no (pouco) espaço que tenho para juntar tralha, então achei que cabia defender um pouco o formato que em algum momento torci o nariz.

Torço que haja uma melhora no digital para um público em potencial poder consumir, e torço para que as editoras avancem na forma como o mangá digital é tratado no Brasil. Se a Panini lembrasse de anunciar seus títulos, ou então que outras editoras caprichassem o mínimo no serviço oferecido já vai ser de uma grande ajuda.

17 comentários em “Como me descobri como uma leitora em potencial de mangás digitais

  1. Mangas em formato físico, eu só compro os títulos que eu comecei a eras atras. Tem muita coisa que eu quero ler, mas to esperando o 13° cair na conta pra comprar um kindle pra iniciar coisas novas. Aliás alguém aqui sabe me dizer qual serviço vale mais a pena: Amazon Prime ou Kindle Unlimited?

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  2. Que bom que mangás digitais tem funcionado pra ti! É sempre bom que consigamos adaptar nossos hábitos ao nosso ritmo de vida, e entendo perfeitamente que ler mangás digitais seja mais fácil pra ti e pra muita gente. Mas vou confessar: tenho um certo preconceito com o formato. Motivo? Sou materialista. Não tenho outra desculpa pra dar. Tanto pra mangás quanto pra livros, gosto de tê-los nas mãos quando leio, acho mais confortável ler os volumes físicos. E quanto a mangás, especificamente… bom… eu posso ler de graça na internet, então por que eu *pagaria* por um volume digital? Pra mim é algo que não faz sentido, sabe. Claro, tenho noção de que dessa forma apoio a pirataria, mas também sou do tipo que, se leio algo que realmente me agrada online, caso seja publicado no Burajiru, eu compro sempre que possível. Por isso minha coleção de mangás está sempre crescendo e logo vou ter que começar a brincar de tetris na estante pra caber tudo (tenho mais de 800 lol). Mas, é isso, eu gosto de ter as obras que gosto, e comprando volumes digitais não tenho essa sensação de posse, de pegar e folhear e olhar e depois ver tudo bonitinho na estante. Acho que mangás digitais são válidos e uma boa opção pra muita gente, mas se é pra ler mangá digital eu fico com os piratas mesmo, porque se é pra pagar eu prefiro ter um mangá físico.

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  3. Eu vejo no Mercadoo que eles falam sobre o mangá digital não ser sério
    O mangá digital no Brasil nunca é levado a sério

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  4. Meu tcc foi sobre a leitura de mangás e agora 3 anos depois não li mais nenhum pelos mesmos problemas apresentados do texto. No piratão até já tentei ler (no celular e no pc) e não me adaptei, então tô naquele limbo que gosta mas não consegue mais consumir o produto.

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  5. Quero muito uma matéria sobre SPY x FAMILY! Leio sempre no Manga PLUS e estou acompanhando SPY x FAMILY, Blue Flag e os capítulos recentes de Haikyuu por lá, pois entendo que é um apoio mais direto à obra, mas o app e site realmente precisam de melhorias.

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  6. O povo mais jovem gosta de aparecer. Sei disso porque eu fui assim. Comprava mangás que eu não gostava só para ocupar espaço na estante e mostrar pro pessoal.

    Depois que fui amadurecendo, vendi alguns mais raros e joguei outros lixos fora (Samurai X; Slam Dunk; Fushigi Yugi…) e parei de comprar mangás.

    Aí percebi que a JBC tinha lançado alguns títulos digitais, foi quando voltei a comprar títulos nacionais.

    O público nacional ainda parece ser muito novo, adolescente; então é aquele público que busca autoafirmação, que quer aparecer. E as editoras só apostam num crescimento horizontal.

    Se eu fosse a NewPop, já estaria passando tudo pra digital também. Eles até tem uns títulos bacanas, mas nem a pau que vou voltar a comprar mangá físico pra entulhar minhas estantes.

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  7. Uma pena que o mercado nacional não presta tanta atenção nessa plataforma, a gente acaba recorrendo às edições gringas que saem quase tão caras quanto uma versão física, aí é difícil também

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  8. Entendo voce Mara…

    Tenho 29, sou casado, tenho 2 filhos e moro numa casa de 50m2, manga fisico simplesmente NAO CABE EM CASA kkkk

    Quanto ao formato digital, desde 2006/2007 leio One Piece por scan pelo pc e muitos outros, e desde o abo passado venho lendo eles pelo celular, sempre no metrô e é muito mais facil.

    Kimetsu no Yaiba e Shaman King li inteiro pelo cel, muito mais confortável e pratico, então realmente o formato digital cale a pena

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  9. Sobre a pergunta do Aleff, se vale a pena Amazon Prime ou Kindle Unlimited:

    Na minha opinião, para ler mangás digitais, nenhum dos dois vale a pena. São poucos os mangás digitais incluídos nesses pacotes.

    O Amazon Prime vale a pena: para ter acesso a bons animes e ter frete grátis nas compras de livros físicos. Se vc compra mangás/livros com frequência, R$ 10/mês se paga em 2 a 3 compras pequenas por mês na Amazon. É o meu caso.

    Para livros digitais, o Amazon Prime tem apenas uma parte do acervo do Kindle Unlimited. Mas, mesmo o Kindle Unlimited é, ao contrário do título, limitado. Eu assino o Kindle Unlimited pq minha esposa lê muitos romances de rápido consumo e não é seletiva com autores e títulos.

    Sugestão: comece com Amazon Prime, experimente grátis, se gostar assine, e depois, se sentir que o pacote de livros digitais é insuficiente, assine tb o Unlimited.

    Eu assino os dois. Por mim, assinaria apenas Amazon Prime, mas assino tb Unlimited pela minha esposa.

    Para mangás digitais, nenhum dos dois vale a pena.

    Na minha opinião, Mangá Plus (inglês/espanhol) , que é de graça, vale a pena para quem gosta de shounen. O Crunchyroll vale a pena pelos animes. O acervo de mangás digitais do Crunchyroll (em inglês) é pequeno, mas tem algumas coisas boas e não é só shounen, e tem títulos que estão em banca, como Caçando dragões , Attack on Titans, Edens Zero, The seven deadly Sins, UQ Holder! , Fairy Tail. Só por esses a assinatura de R$25 sai mais barato que comprar papel, se não se incomodar em ler em inglês.

    Isso falando apenas dos serviços autorizados e legais.

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  10. EU lia muito no EM no celular, li quase HNK inteiro assim e metade de Vagabond, além do primeiro arco de Ippo.
    Era bom, mas hoje em dia eu não consigo.
    No Kindle vai que é uma beleza, mas celular distrai demais.
    Foda do Kindle no ônibus é o crime, aí eu fico com o físico mesmo, que bandido não rouba.

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  11. Duas coisas que acho particularmente desagradáveis no modelo digital de vendas são (1) não ter a possibilidade de emprestar o gibi e (2) a posse do material estar atrelada a alguma plataforma: no caso do Kindle, por exemplo, você só pode ler no ambiente do Kindle. O arquivo não é seu, no final das contas.

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  12. @Pedro Floriano , como faz para ler no Kindle? É só o oficial de loja ou vc pega também os alternativos?

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  13. Acho que uma das melhores escolhas que fiz quanto as minhas leituras foi ter passado para o digital. Antes eu mal conseguia acompanhar pela quantidade de papel que tinha e o quanto de dinheiro que já gastei é absurdo. O melhor até agora, para mim, é a possibilidade de avaliar por meio do digital se vale a pena gastar pelo físico depois ao invés de ser obrigado a comprar as primeiras edições para ver onde vai a história.

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  14. Raro de eu vir aqui comentar em algo que não seja problematização, mas essa é uma coisa que tenho que concordar com a autoria deste blog.

    Eu já tive preconceito contra livros digitais, mas minha opinião e vida mudou muito quando decidi ter um Kindle Paperwhite.

    Jogos em PC mesmo, já não se vê mais nas prateleiras, hoje em dia até para consoles tem sumido, com todas as vantagens e desvantagens, é inegável que o digital veio pra ficar.

    Parabéns pela ótima postagem, Mara!

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